07 fevereiro 2010

News Release 1506 : CP vai fazer manutenção de comboios suíços


Faro [Portugal], 07.02.2010, Semana 06, Domingo, 09:50

Com cortesia, editamos na íntegra, notícia do jornal Diário Económico, publicada dia 4 do corrente mês na sua página electrónica, com informação ferroviária relevante.

A SBB e a EMEF vão assinar um contrato para a manutenção dos ‘pendolinos’.

O grupo CP, através da sua participada EMEF, continua a ganhar pontos na sua estratégia de internacionalização, estando neste momento a ultimar um protocolo de cooperação técnica com os caminhos-de-ferro suíços. Ainda não está definido o valor do contrato, uma vez que as duas empresas estão neste momento a negociar a duração e o âmbito deste acordo de exportação de tecnologia e ‘know-how' nacionais no sector ferroviário.

"A EMEF foi convidada pela empresa de caminhos-de-ferro suíça Swiss Federal Railways (SBB) para uma colaboração, tendo em vista a manutenção da frota dos comboios Pendolino suíços (ETR470)", revelou ao Diário Económico Carlos Frazão, presidente da comissão executiva da EMEF. "A EMEF e a SBB já acordaram na celebração de um projecto de cooperação tecnológica, envolvendo outras áreas de interesse mútuo, como próxima etapa da colaboração que agora se enceta", destacou este responsável.



Paulo Almeida


News Release 1505 : Uma vida a ver passar comboios


Faro [Portugal], 07.02.2010, Semana 06, Domingo, 09:48

Com cortesia, editamos na íntegra, notícia do jornal I, publicada dia 5 do corrente mês na sua página electrónica, com informação ferroviária relevante.

Há 11 anos eram mais de 900. Restam 190. Nos próximos anos, a profissão morrerá, com a modernização das linhas e das passagens de nível

Linha do Norte, passagem de nível ao quilómetro 310. Cecília Pereira fala pelo cotovelos - é uma "metralhadora" de palavras. É guarda de passagem de nível (PN) em Esmoriz e não tem mãos a medir com o trabalho. Por dia, passam na PN ao quilómetro 310 da linha do norte 210 comboios. Cecília conta 30 anos de carreira à beira da linha e tem assistido às sucessivas introduções de tecnologia no serviço. Antes, tinha de baixar as cancelas manualmente. Agora, já são automáticas. Mas as inovações que lhe facilitaram a vida nos últimos anos vão ditar, em breve, a extinção do seu posto de trabalho.

Assim que estiver terminada a modernização do troço que liga Ovar a Vila Nova de Gaia - as obras devem arrancar em 2011 -, Cecília Pereira deixará de ser guarda de passagem de nível e irá juntar-se às estatísticas da Refer: em 1999 existiam 908 guardas, espalhadas por todo o país. Hoje, são apenas 190. O objectivo da empresa é "reduzir a sinistralidade". E se em 1999 foram registados 154 acidentes em passagens de nível, hoje o número é bem inferior. No ano passado, aconteceram apenas 49.

Na passagem de nível de Esmoriz, Cecília reveza-se com outra colega para garantir a vigilância entre as oito da manhã e as oito da noite. Antes de chegarem a uma PN, os comboios pisam um sensor no carril, que faz disparar as campainhas e ordena o fecho das cancelas. É então que Cecília sai da barraca, pega na bandeira vermelha, enrolada, e faz sinal ao maquinista, em sentido. O gesto significa que todo o sistema de circulação está operacional e que a PN está livre de obstáculos.

Um dia, fartou-se de acenar aos comboios e resolveu contá-los. "Só das 10 da manhã às 10 da noite contei 91", garante. Porque a profissão exige "responsabilidade e atenção permanente", Cecília prefere abdicar da televisão na barraca onde se abriga. Às vezes, aborrece-se e "as horas custam a passar". Especialmente agora, que já é quase tudo automático. Mas o pior do trabalho - em vias de extinção - são mesmo as campainhas, que se repetem, monocórdicas, centenas de vezes por dia, antes da chegada de cada comboio. "Houve uma altura em que não aguentava mais o barulho. Ia morrendo da cabeça e tive de tomar medicação", recorda. Cecília admite que é uma profissão "difícil". Mas acrescenta: "Foi a que escolhi." Por ser a mais velha de todos os irmãos, teve de se fazer à vida aos 12 anos. Com 24, "andava à hora nas limpezas". A Laura, uma amiga da patroa, era guarda de PN e emigrou para a Venezuela. O lugar ficou vago e, em 1980, Cecília tornava-se substituta - fazia as folgas e as férias das guardas efectivas em Canelas (Gaia). No primeiro dia de trabalho, vestiu uma "saia da moda ao xadrez bege e castanho", que encomendou de propósito a uma modista. Em 30 anos, passou por várias passagens de nível: em Avanca, Oliveira do Bairro, Granja. Tantas que não sabe "enumerar de cor". Durante uma década, fez turnos nocturnos. "Noites em que só se ouvia, no meio do escuro, o barulho do ladrar dos cães e das canas que antigamente havia à beira das linhas do comboio, a sacudirem-se ao vento." Era o tempo em que tinha de carregar as cancelas às costas e desdobrar-se em telefonemas para a estação mais próxima, para avisar se os comboios passavam na PN à tabela.

O que nunca muda, garante, é o facto da passagem de nível ser "um confessionário" e um ponto de passagem "insubstituível". Cecília está habituada à convivência com quem por ali passa, todos os dias. Há os vizinhos, os "bêbedos do costume", os mendigos que vão à procura de esmola. As crianças da escola que exigem atenção redobrada ao atravessar a linha. Os automobolistas que pedem indicações. E, inevitavelmente, os condutores que se irritam quando as cancelas baixam e é preciso esperar. Nessas situações - e porque está ali para garantir a segurança -, Cecília não tem papas na língua. "Alguns insultam-me e já me gritaram: 'Ainda o comboio vai no Porto e tu já estás a fechar a cancela'. E eu às vezes respondo à letra e mando-os comprar umas asinhas e voar por cima", conta. Aliás, segundo a Refer, 95% dos acidentes devem-se à falta de civismo e ao não cumprimento da sinalização. Cecília confirma: "Muitos armam-se em atletas, tentam contornar as barreiras e às vezes corre mal." Apesar de tudo, em 30 anos de serviço nunca teve nenhum dissabor - à excepção do assalto que a barraca sofreu, não há muito tempo: os ladrões levaram-lhe o micro-ondas, uma cadeira e uma ventoínha.

Linha de Cascais, PN ao Km 22,556 Em S. João do Estoril, Maria do Carmo está longe das origens. Ela, que é de Vila Real de Trás-os-Montes. Tem 47 anos e é guarda há 25 - nunca teve outra profissão. Em 1985, começou como substituta na PN de Paço de Arcos. Estava longe de adivinhar que 17 anos depois, em 2002, na de Santos, assistiria à morte instantânea de seis rapazes. "Puseram-se a fazer uma corrida ao lado do comboio. A ideia deles era chegar à passagem de nível antes do maquinista e conseguir atravessar a passagem de nível à frente do comboio", recorda. Tinha acabado de entrar ao serviço, às 6h30, e não se esquece do momento em que o carro foi abalroado. "Depois, ficou completamente desfeito e fez-se silêncio."

Maria do Carmo garante que ultrapassou o choque e, nos últimos anos, assume o comando da única passagem de nível da linha de Cascais com guarda. E que, além disso, ainda tem outra particularidade: é a única do país onde a bandeira que ostenta é verde e não vermelha. Porque quando a linha de Cascais apareceu foi concessionada pela Sociedade Estoril que tinha uma regulamentação muito própria. "Eficaz, mas mais ligeira em termos de procedimento", explica o inspector de circulação da linha, José Rodrigues. Na PN de S. João do Estoril passam 110 comboios por dia. Assim que seja construída uma passagem inferior para peões junto à estação - já protocolada com a Câmara de Cascais - a última representante das guardas naquela linha deixará de ser precisa. O que, garante a Refer, não significa que o vínculo à empresa se extinga. "Tentamos a reintegração em novas funções. Há antigas PN a exercer tarefas de secretariado, de triagem de correspondência, entre outros serviços."



Linha do Norte, PN ao Km 3,594 Poço do Bispo, Lisboa. É quase hora de almoço. A campainha da PN dispara de repente, as cancelas fecham-se e uma idosa arrisca e passa a barreira para chegar ao outro lado da linha. Caminha devagar, com uma muleta na mão direita e uma pequena botija de gás na mão esquerda. Aida Esteves, a guarda da PN, abana a cabeça em jeito reprovador e aproveita para explicar que este é um comportamento frequente e de evitar. "Pensam que conseguem ter tempo para passar, mas às vezes há azares", resmunga. Em Poço de Bispo, a PN é ponto de passagem de muitos idosos do bairro de Marvila. "E os hábitos estão tão enraizados que é difícil sensibilizar para a questão da segurança", conta. Aida é uma das poucas e últimas verdadeiras guardas de passagem de nível - ainda tem de dar à manivela para baixar as cancelas. Acena à passagem dos comboios com a bandeira na mão direita e uma lata de petardos e uma corneta na esquerda - objectos que quase já não têm utilidade. "A corneta servia para ajudar os maquinistas a fazer manobras e os petardos encaixam-se nos carris em caso de anomalia e rebentam à passagem do comboio, avisando o maquinista de que deve parar."

Assim que o TGV chegar, a missão de Aida, agora com 47 anos, termina e a linha será modernizada e automatizada. E depois? "Estou mentalizada para o fim. Não sei o que irei fazer, mas quero continuar na empresa. A minha vida foi toda isto, os comboios."


Créditos: Pela foto, agradecimento ao jornal I.


Paulo Almeida